Detectar o HIV no início e tratar de imediato são formas de impedir que a doença atinja o sistema imunológico. Entre 2018 e 2022, o coeficiente de mortalidade decorrente do vírus apresentou uma redução de 28,9% na capital do país.
“Existe vida após o diagnóstico.” Leonilson (nome fictício), 24 anos, é um exemplo da importância de acabar com os preconceitos envolvendo HIV para que as mortes pelo vírus sejam cada vez menores. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, entre 2018 e 2022, os óbitos por aids diminuíram 28,9% no DF. Especialista explica que a queda está diretamente relacionada ao rápido diagnóstico e tratamento imediato.
O Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) registrou 484 óbitos tendo a aids como causa básica. O coeficiente de mortalidade (por 100 mil habitantes) apresentou redução de 28,9%, passando de 3,8 em 2018 para 2,7 óbitos em 2022. Os números de detecção de HIV e aids no período analisado também diminuíram.
Para a infectologista do Centro Especializado em Doenças Infecciosas (CEDIN) Joana D’Arc Gonçalves, a diminuição dos casos só não foi maior por conta do período da pandemia. “O acesso aos serviços de saúde era caótico e as pessoas tinham dificuldade para manter a rotina. Perdemos muitos pacientes, foram mortes evitáveis”, lamentou.
Leonilson se descobriu soropositivo após o preservativo estourar durante uma relação sexual. “No dia seguinte, fui ao hospital fazer o exame. Imediatamente, tomei a PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV) e logo depois descobri que estava infectado”, contou ele, que se submete a tratamento constante, tomando dois remédios todos os dias e indo ao infectologista a cada seis meses.
Joana D’Arc Gonçalves explica que as pessoas soropositivas que cumprem adequadamente a rotina de tratamento, mantendo a carga viral indetectável (abaixo de zero, sem risco de transmissão) e estilo de vida saudável, podem viver mais do que a população em geral. “Os antirretrovirais são eficazes e melhoraram muito a sobrevida. Por outro lado, quem se descuida tem um envelhecimento imunológico acelerado e amplificação de doenças crônicas e cardiovasculares, com mortalidade precoce”, afirmou a médica.
Walter (nome fictício), 25, se descobriu soropositivo em 2017 e, no início, a carga viral estava em 7.500 — uma taxa considerada alta. “Fazia acompanhamento com infectologista de três em três meses, depois de seis em seis e agora vou uma vez por ano. Desde 2018, minha carga viral está indetectável”, compartilhou.
Tratamento
No Brasil, ainda há subnotificação dos casos, pois a população, em geral, tem medo de realizar o teste. “Existe um número ainda elevado de pessoas com HIV que não iniciaram o tratamento. Muitos nem sabem que estão infectados, por medo do diagnóstico. Cerca de 30% estão sem tratamento. A principal tarefa é diagnosticar, acolher e tratar os que estão com HIV. Evitar a evolução para aids só é possível por meio do tratamento adequado”, orientou a infectologista Joana D’Arc Gonçalves.
Além da PEP, outro caminho possível é a Profilaxia Pré-exposição (PREP), uma combinação de dois fármacos que são tomados antes das relações sexuais ou diariamente, que permitem ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV. A pessoa realiza acompanhamento regular de saúde, com testagem para o HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). O tratamento completo pode ser feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No Distrito Federal, as pessoas podem procurar o Centro Especializado em Doenças Infecciosas (Cedin) — antigo Hospital Dia —, unidade de saúde especializada em tratamento do HIV/aids.
“A PREP é indicada para pessoas que frequentemente deixam de usar camisinha em suas relações sexuais (anais ou vaginais); fazem uso repetido de PEP; apresenta histórico de episódios de ISTs; contextos de relações sexuais em troca de dinheiro, entre outros”, elencou a médica Joana D’Arc.
“Meu tratamento é todo feito pelo SUS. Às vezes tem um pouco de demora, mas nunca fiquei sem remédio, sem tratamento ou sem consulta. Vou de seis em seis meses no infectologista no Cedin e faço exames gerais”, salientou Leonilson, que destacou ainda a importância da terapia e de uma rede de apoio para lidar com os estigmas da soropositividade. “Me fortaleceu muito. Existe vida após o diagnóstico. Isso não me define, é um detalhe na minha vida. Eu não sou uma pessoa doente, sou indetectável há quatro anos”, finalizou.
Sexualidade ativa
Quando avaliada a faixa etária, os casos de infecção pelo HIV entre as pessoas de 20 a 29 anos apresentaram os maiores percentuais (proporção média de 45,5% no período), seguido pela faixa etária de 30 a 39 anos com proporção média de 27,9%. Nos casos de aids, as maiores proporções também foram entre as pessoas de 20 a 29 anos (média de 32,9%) e de 30 a 39 anos (média de 28,9%).
Pessoas sexualmente ativas devem se cuidar e fazer exames com frequência. “É preciso ficar atento ao nível de exposição, pode ser mensal ou quinzenal, de cada indivíduo e do tipo de prática sexual. Os testes estão disponíveis de forma gratuita. Para quem tem vergonha ou medo, pode fazer em casa. Os profissionais dos centros de testagens são bem acolhedores. Você também pode comprar em farmácias e, em caso de dúvidas, consulte seu médico”, ressaltou Joana D’Arc.
Com relação à orientação sexual, a predominância da exposição à doença é entre os homossexuais, com proporção média de 50,4% entre 2018 e 2022. Os homens representam grande maioria dos casos de HIV e aids. Em 2022, foram registrados 575 casos de HIV em homens e 99 em mulheres, enquanto 194 homens contraíram aids para apenas 34 mulheres.
A testagem e o uso de preservativo são maneiras eficazes de prevenir e acompanhar a saúde sexual. O gel lubrificante diminui o atrito e a possibilidade de provocar lesões das mucosas genitais e anais e tem papel fundamental na prevenção do HIV.
Os segmentos populacionais mais vulneráveis são os jovens, pessoas de menor renda ou escolaridade e de cor preta ou parda, e as populações-chaves para o controle da transmissão do HIV/aids são homossexuais, profissionais do sexo, travestis, transexuais e pessoas encarceradas.
Dados nacionais
O Ministério da Saúde apresentou, ontem, dados a respeito de pessoas que vivem com HIV no Brasil. Ao todo 1 milhão de pessoas têm a doença, e desse total 90% (900 mil) foram diagnosticadas, 81% (731 mil) das que têm diagnóstico estão em tratamento antirretroviral e 95% (695) mil) de quem está em tratamento antirretroviral tem carga indetectável do vírus.
O boletim epidemiológico HIV/aids mostra que o Brasil alcançou uma das três metas globais definidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) para que a doença deixe de ser uma ameaça à saúde pública até 2030. A entidade fixou as metas popularmente conhecidas como 95-95-95, em que os três índices devem ficar em 95%.
Do total de 1 milhão de pessoas vivendo com HIV no país, a grande maioria é do sexo masculino. São 35% (350 mil) mulheres e 65% (650 mil) homens. Apenas 86% das mulheres foram diagnosticadas contra 92% dos homens. Além disso, 79% das mulheres recebem tratamento antirretroviral contra 82% dos homens e 94% das mulheres têm carga suprimida contra 96% dos homens.
Exposição ao vírus
Entre pessoas homoafetivas e outros homens que fazem sexo com homens com mais de 18 anos, a prevalência do HIV é de 18,4%, enquanto a média da população brasileira é 0,49%. Entre pessoas que usam drogas, o índice é de 6,9%. Entre trabalhadoras do sexo com mais de 18 anos, 5,3%.
Em 2022, o país registrou 43.403 novos casos de HIV. Desses, 73,6% em homens e 26,3% em mulheres. Entre essas mulheres, 63,3% são jovens e têm idade entre 20 e 39 anos. Além disso, 31% do total de novos casos têm ensino fundamental completo, 62,8% são pessoas pretas e pardas e 54,3% são homens que fazem sexo com homens.
Já os novos casos de aids — fase avançada do HIV — totalizaram 36.753 em 2022, sendo 71,1% em homens e 28,9% em mulheres. Nesse grupo, o nível de escolaridade é mais baixo: somente 27,1% das pessoas têm ensino fundamental completo. Além disso, 60,1% são pretas e pardas e 42,3% são homens que fazem sexo com homens.
Óbitos
Em 2022, o Brasil registrou 10.994 óbitos que tinham o HIV como causa básica, contra 11.515 em 2021. Ainda assim, o total leva a uma média de 30 mortes por dia, sendo que 61,7% foram entre pessoas negras (47% pardos e 14,7% pretos) e 35,6% entre brancos.