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Brasil terá 61 milhões na pobreza com Auxílio Emergencial reduzido em 2021

Pesquisa inédita mostra ainda que 19,3 milhões de brasileiros viverão na extrema pobreza, com auxílio reduzido. Aumento da miséria é sinal de insuficiência da nova ajuda emergencial, dizem pesquisadoras.

Com o valor menor do auxílio emergencial este ano, o Brasil deve somar 61,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 19,3 milhões na extrema pobreza, segundo estudo publicado nesta quinta-feira (22) pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

Em 2021, são consideradas pobres as pessoas que vivem com uma renda mensal per capita (por pessoa) inferior a R$ 469 por mês, ou US$ 1,90 por dia, conforme critério adotado pelo Banco Mundial. Já os extremamente pobres são aqueles que vivem com menos de R$ 162 mensais.

Em 2019, os brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza somavam 51,9 milhões. Isto significa que, em 2021, o Brasil terá 9,1 milhões de pobres a mais do que antes da chegada do coronavírus ao país.

No ano anterior à pandemia, os extremamente pobres eram 13,9 milhões. Assim, em apenas dois anos, 5,4 milhões de brasileiros se somarão a esse grupo que convive com a carência extrema.

Para as pesquisadoras Luiza Nassif-Pires, Luísa Cardoso e Ana Luíza Matos de Oliveira, autoras do estudo, o aumento da miséria esperado para esse ano revela que o auxílio emergencial com valor médio de R$ 250 é insuficiente para recompor a perda de renda da população mais pobre em meio à pior fase da crise de saúde pública provocada pela covid-19.

“Já havia um crescimento da pobreza antes da pandemia, isso só não se agravou no ano passado devido ao auxílio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200”, observa Oliveira.

“O novo modelo do auxílio, que sofreu um corte significativo, está deixando grande parte da população desamparada”, acrescenta a economista, lembrando ainda que a queda de 4,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 só não foi maior devido ao benefício, que permitiu a parcela significativa da população manter um nível mínimo de consumo.

As economistas destacam ainda que as mulheres e a população negra são as mais afetadas por essa grave piora das condições de vida no país.

Pobreza vem crescendo desde 2015

Até 2014, a pobreza diminuiu durante anos no Brasil, graças ao avanço de políticas sociais como o Bolsa Família, os ganhos reais do salário mínimo e a ampliação do acesso à educação.

Em 2015, sob efeito da crise econômica, a tendência se inverteu e a miséria voltou a crescer ano após ano. A trajetória de alta, no entanto, foi interrompida em 2020, graças ao efeito do auxílio emergencial.

O benefício foi criado em abril do ano passado, com valor de R$ 600, que podia chegar a R$ 1.200 para mães solteiras chefes de família. Foram pagas cinco parcelas nesses valores cheios e outras quatro com os valores reduzido à metade, num total de R$ 295 bilhões.

Em julho de 2020, mês em que o efeito do benefício atingiu o seu auge, a taxa de extrema pobreza do país foi reduzida a 2,4% e a de pobreza a 20,3%, estimam as pesquisadoras, com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua e da Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Foram os patamares mais baixos já registrados para esses indicadores em pelo menos 40 anos, conforme uma série mais longa produzida pelo pesquisador Daniel Duque, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).

A título de comparação, essas mesmas taxas eram de 6,6% e 24,8% em 2019, antes da pandemia. Agora em 2021, a expectativa é de que a extrema pobreza atinja 9,1% da população e a pobreza chegue a 28,9%.

Neste ano, a população de baixa renda ficou sem auxílio nenhum de janeiro a março. Em abril, o pagamento começou a ser feito primeiramente apenas através do aplicativo da Caixa, o que dificultou o uso do recurso por parte das famílias, que têm dificuldade de acesso à internet.

O valor do benefício foi reduzido a uma média R$ 250, variando entre R$ 150 para pessoas que moram sozinhas, R$ 250 para domicílios com mais de uma pessoa e R$ 375 para mães solo.

O universo de beneficiários foi diminuído de 68,2 milhões de pessoas em 2020, para 45,6 milhões de famílias em 2021.

O saque foi restrito a uma pessoa por família e limitado a indivíduos que já receberam o auxílio em 2020 – o que significa que quem perder a renda esse ano, não poderá contar com a ajuda.

O montante autorizado pelo Congresso para o auxílio emergencial em 2021 é de R$ 44 bilhões, comparado aos R$ 295 bilhões do ano passado. Está previsto o pagamento de quatro parcelas este ano, ante nove parcelas pagas em 2020.

“Estamos no pior momento da pandemia em termos sanitários, com diversas cidades voltando a restringir atividades e, justamente agora, foi reduzido o estímulo fiscal”, observa Oliveira, que é professora visitante da Flacso Brasil (Faculdade Latino-​Americana de Ciências Sociais) e coordenadora-geral da secretaria executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público.

“Isso deve ter um impacto não só para a população vulnerável, mas também um efeito macroeconômico muito grande. Então é um problema para os mais pobres e para o Brasil como um todo.”

Mulheres negras são as mais prejudicadas

Embora a redução do estímulo fiscal afete o Brasil como um todo, são as mulheres negras as mais prejudicadas pela redução do auxílio emergencial em 2021, aponta o estudo lançado nesta quinta-feira pelo Made-USP.

Antes da pandemia, a pobreza atingia 33% das mulheres negras, 32% dos homens negros e 15% das mulheres brancas e dos homens brancos. Com o auxílio reduzido de 2021, esses mesmos indicadores devem subir a 38%, 36% e 19%.

Já a taxa de extrema pobreza, antes da crise, era de 9,2% entre mulheres negras, 8,9% entre homens negros, 3,5% entre mulheres brancas e 3,4% entre homens brancos.

Com o benefício emergencial nos valores de 2021, a miséria deve chegar a percentuais muito acima dos verificados antes da crise: respectivamente, 12,3%, 11,6%, 5,6% e 5,5%.

“De modo geral, as mulheres estão mais sujeitas à pobreza”, observa Nassif-Pires, professora no Levy Economics Institute do Bard College (EUA).

“Elas são mais propensas a terem emprego informal, estão segregadas em ocupações que pagam menos e existe um hiato salarial entre homens e mulheres mesmo dentro de uma mesma ocupação. Além disso, elas mais frequentemente têm dependentes do que os homens”, diz a economista.

“Então, há toda uma questão que vem de antes da pandemia, mas tudo isso se agrava com a crise, porque, devido à informalidade maior, é mais fácil para elas perderem o emprego”, destaca, acrescentando que a pandemia também exigiu maior produção dentro de casa, em atividades de cuidado dos filhos e de idosos, que são no geral realizadas pelas mulheres.

“Em casais heterossexuais, frequentemente é a mulher que abre mão do emprego”, lembra a professora do Bard College. Além disso, com as escolas e creches fechadas, muitas mulheres tiveram que deixar seus trabalhos fora de casa por não terem com quem deixar as crianças.

“Em resumo, como a posição das mulheres no mercado de trabalho já é mais vulnerável, quando tem uma crise, elas são mais atingidas”, sintetiza Nassif-Pires.

Com relação à população negra, a pesquisadora é enfática quanto à origem das maiores taxas de pobreza desta parcela dos brasileiros: a herança da escravidão.

“Essa é a resposta rápida, mas, para além disso, há todo um racismo estrutural que resulta que, mesmo para um grupo de pessoas com a mesma escolaridade, há diferenças no nível salarial, nos tipos de ocupação e na taxa de informalidade entre negros e brancos.”

“Então existe um racismo muito forte dentro do mercado de trabalho que coloca a população negra numa posição um tanto mais precária em termos de trabalho formal”, observa.

‘Estados deveriam complementar auxílio’

Para Oliveira, a pesquisa deixa evidente que são as mulheres negras as que mais estão sofrendo com a crise atual.

“Fica claro que precisamos de políticas específicas voltadas para esse grupo”, diz a pesquisadora. “Precisamos também entender como a política fiscal e a política econômica como um todo impactam especificamente essa parcela da população.”

A professora da Flacso-Brasil destaca, por exemplo, que cortes de recursos destinados à saúde, educação e assistência social afetam diretamente essa população mais vulnerável.

Além disso, a pandemia traz o risco de que avanços conquistados nas últimas décadas na redução da desigualdade racial e de gênero se percam, caso o Estado não dê uma resposta, na forma de medidas de apoio a essa população.

“Recomendamos a continuação do auxílio enquanto a pandemia durar e o pagamento de auxílios adicionais por Estados e municípios, para complementar esse valor tão baixo do auxílio federal de 2021”, diz Cardoso, pesquisadora de pós-doutorado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

“Além disso, indicamos também a elaboração de políticas voltadas aos jovens e crianças que estão em casa, como políticas de acesso à internet para os alunos de escolas públicas, porque a pobreza tem um caráter geracional”, afirma a economista e demógrafa.

“Então esse impacto de agora que as famílias estão sofrendo não vai durar apenas um ano ou dois. É muito provável que isso se estenda e tenha reflexos no futuro também.”

Para Cardoso, a demora do governo para retomar o auxílio em 2021 e os baixos valores estabelecidos mostram o descaso do governo com a população e com o combate às desigualdades. “Essas coisas deveriam ser prioridades”, avalia.

Quanto à viabilidade de se estender o auxílio enquanto durar a pandemia, Nassif-Pires avalia que a restrição financeira imposta pelo teto de gastos é uma limitação política.

“O espaço fiscal poderia existir, mas existe um embate político por esse espaço”, afirma.

“Pensando de forma estratégica, o custo do auxílio emergencial não é somente o seu valor de face, porque há um retorno disso. Ele faz com que a economia continue funcionando, então seu custo líquido é muito menor do que aquele que vai aparecer no Orçamento.”

Além disso, a professora destaca que o auxílio emergencial tem papel fundamental no controle da pandemia.

“As pessoas que estão na extrema pobreza e na pobreza não têm a possiblidade de escolher cuidar de sua saúde. Elas estão numa situação de vida ou morte diária e não podem deixar de trabalhar, mesmo que estejam doentes ou trabalhando em situações precárias e expostas à pandemia”, diz a economista.

“Manter a economia funcionando apesar da emergência de saúde, às custas de as pessoas precisarem se expor para sobreviver, tem impacto sobre a própria continuidade da pandemia. O problema econômico é resultado do problema sanitário.”

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